segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

As lágrimas de Maria



Ela é a Maria que não vai com as outras, não tem idade, tem maturidade em construção. Como muitas Marias, constrói sua estrada removendo pedra por pedra, até sangrarem as mãos, mesmo assim segue plantando flores ao longo do caminho. Sua paciência é desmedida, suas dores escondidas. Não ouve os conselhos que lhe dão sobre a vida. Vive à sua revelia, acertando ou errando. Maria aprendeu desde cedo a ser contida e discreta. Sofre em silêncio seus medos, seus “nãos” à vida, suas ausências do belo. Sempre séria e aparentemente tranquila, Maria ferve por dentro. Angústias que sobraram do seu passado, da sua vivência como filha, como esposa e como mãe. Até que um dia, não suportando o peso da tristeza que a sufocava, Maria chorou, naquele momento ela não era ninguém, era apenas lágrimas. Chorou pelas suas limitações, pelas correntes imaginárias que a prendiam no chão como se fosse um tronco de árvore no deserto, chorou pelas mentiras de amor nas quais acreditou um dia e pelas lições que tardiamente aprendeu, chorou por tudo que tinha calado quando deveria ter gritado. Chorou até não poder mais. Maria agora não quer mais ser forte o tempo todo, ela sente que precisa se desmontar de vez em quando para se reerguer, se desconstruir para se reconstruir, se esvaziar para novamente se preencher. Maria agora sente-se mais leve, pois não é mais dura e seca, é líquida e transparente.


Zezinha Lins

Abraço de poesia




Fim de uma tarde morna, a noite anunciava sua chegada. A beleza do casarão antigo com suas enormes janelas azuis, nos convidava a ocupar o espaço cercado por jardins logo após o portão principal. As plantas com suas folhagens e flores se curvavam sem o menor sinal de vento, como se gentilmente quisessem nos dar as boas-vindas. Espalhados numa mesa forrada com uma toalha florida: livros, vários livros, produtos da casa. Um quadro grande com uma paisagem colorida representando a cultura local, decorava o ambiente. Tiras coloridas penduradas no frontal da casa, lembravam as festividades tradicionais tão bem vivenciadas pela nossa comunidade.
 Ouviu-se os primeiros acordes do violão, um chamado, um aviso: o sarau vai começar. Aos poucos, chegavam pessoas: poetas, escritores, músicos, cantores e muita gente bonita que conhecia o sabor e sentia de longe o cheiro de poesia. Um encontro de levezas, de versos, de sons e de alegria.
Entre versos brincantes no ar, surge nas mãos de um poeta, um instrumento medieval, pura magia. E o cordel saiu em forma de música entrelaçadas nas quatro cordas de uma rabeca, depois outra, duas rabecas com som de baile nordestino encantaram a todos.
E mais encantamento foi tomando conta dos que ali se faziam presentes através da bela voz do cantor que trouxe a nossa raiz, as nossas canções com cheiro e gosto de interior.
 Vieram os poemas, cada verso recitado, um carinho na alma. E a poesia foi se espalhando e abraçando o coração de cada um. A lua que tudo via, apaixonada pelos belos poemas declamados, despejava sua luz de prata sobre os muitos versos propagados que docemente bailavam no ar.

Zezinha Lins